Foto da indiferença & da desavença política

 


A foto da jornalista Sarah Teófilo viralizou na internet no ano passado, após ter feito o registro de um casal bolsonarista que passou ao lado de um mendigo que estava dormindo na rua e nem sequer notaram a presença do indivíduo estirado no chão. Diversas pessoas os criticaram dizendo que eles teriam ignorado o rapaz ou simplesmente fingido não vê-lo como uma forma de não ter que lidar com as mazelas deste país. Ora, ignorar uma verdade não faz com que ela deixe de existir.

O casal estava trajado de verde e amarelo em menção as cores da bandeira do Brasil, que, aliás, estava pendurada nas costas de ambos. Eles também carregavam um “banner” homenageando o presidente, Jair Bolsonaro, na manifestação que ocorreu em Brasília, no dia da independência do Brasil.

Na época muitos afirmaram que a foto era montagem, não só com relação ao mendigo, mas também o próprio banner em que a imagem de Bolsonaro aparece. Alguns chegaram a insinuar de que o casal teria sido contratado pela jornalista para encenar aquele momento como se a cena toda tivesse sido forjada para o clique de uma câmera. Um “espontâneo” clique para flagrar e evidenciar a arrogância, a falta de empatia e humanidade de eleitores bolsonaristas.

Entretanto, ouso dizer que estas características nada têm a ver com a escolha política de determinada pessoa, mas com o caráter, a essência e os valores dela. Portanto, independentemente de qualquer ideal partidário do qual você faça parte, não é pelo fato de ser de esquerda, centrão ou de extrema direita que irá definir quem você é enquanto pessoa. Até mesmo porque os valores e as convicções de cada cidadão são inerentes e particulares a cada um, além de ser um reflexo do meio familiar e social em que foram criados e educados.

 Mas por que há pessoas de ideais partidários que ainda insistem em estereotipar eleitores de partidos opostos desta maneira? Qual o sentido nisso? Apenas para mostrar que são melhores do que outros? De que são superiores? De que são homens e mulheres puritanas, verdadeiros cidadãos exemplares? Em minha humilde opinião, não são melhores do que ninguém. Aliás, são ainda piores, pois falar mal, criticar e julgar o próximo é muito mais fácil do que olhar para dentro de si, para o próprio umbigo. São estas pessoas que também não admitem os próprios erros e responsabilizam os outros pelos problemas que os rodeiam. A falha, a culpa está no outro e não nelas.

 O mais engraçado nesta história da foto é que estas pessoas direcionaram a culpa da pobreza e da miséria existentes no Brasil ao presidente Jair Bolsonaro e seus eleitores como se houvesse um único responsável pela situação deplorável em que muitos cidadãos brasileiros vivem. De fato não há como negar que a pobreza é uma realidade lastimável do nosso país, mas é um problema social que existe há séculos. Contudo, querer culpar uma pessoa por toda a miséria espalhada pela imensa extensão deste Brasil é descabido, incoerente e sem fundamento lógico. 

Cada governo possui suas conquistas e falhas no que diz respeito ao combate a pobreza e erradicação da miséria no país, sendo alguns mais eficientes do que outros na maneira como lidam com esta questão. Apesar dos índices de pobreza terem caído pela metade com a emergência de uma nova classe média no Governo Lula, não há como compará-lo com o Governo atual em razão dos contextos sociais, econômicos e políticos serem completamente diferentes.

Durante dois anos o presidente Bolsonaro enfrentou uma pandemia que paralisou a economia, não só a nacional como a mundial, resultando numa verdadeira recessão econômica no país. Fato que ocorreu no Governo Dilma devido à má gestão, a falta de reformas estruturais e ao fracasso da política econômica de seu governo, mesmo ela não enfrentando nenhuma pandemia e muito menos sofrido interferências de uma guerra como esta que está acontecendo entre a Rússia e a Ucrânia.

Segundo João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group, “os erros que derrubaram o PIB nos últimos anos - culminando em uma das mais graves recessões da história do país - começaram no segundo mandato de Lula”. Deste modo, o governo atual de um país sempre irá lidar com as falhas do governo anterior – por ter sido omisso ou negligente com questões de qualquer natureza (social, política, financeira, etc) – na tentativa de suprir a falta de ações mais contundentes e anemizar os efeitos negativos dos erros cometidos.

Em um país cuja desigualdade social e econômica é alarmante, é inevitável não nos depararmos com uma quantidade elevada de mendigos e moradores de rua transitando em várias esquinas e bairros de Salvador e de tantas outras cidades pelo país. Situação que se tornou bastante comum, habitual e normal entre as pessoas, o que em regra, não deveria ser. Infelizmente, a sociedade em que vivemos é dividida em classes cujo poder econômico são bem distintos, onde poucos têm muito dinheiro e muitos têm pouco ou quase nada, vivendo até mesmo em situações de extrema pobreza – sem uma mínima condição digna para se viver – tangendo a invisibilidade social e ao esquecimento.

Não posso deixar de mencionar a triste história de Carlos Eduardo Pires de Magalhães, um homem humilde, de 40 anos, que morreu dentro de uma padaria chamada "Confeitaria e Lanchonete Ipanema", no Rio de Janeiro, em novembro de 2020. Ele era um morador de rua e estava pedindo ajuda para tratar uma tuberculose quando veio a óbito dentro do estabelecimento. O dono ou os funcionários do lugar taparam o corpo com saco de lixo e mantiveram o funcionamento normal da padaria como se aquele acontecimento não tivesse acontecido. As pessoas também continuaram comprando e comendo naquele espaço como se nem a morte daquele homem tivesse tido algum significado.

Cenas como a de Carlos Eduardo e a do morador de rua que foi totalmente ignorado pelos transeuntes que ali passavam, provavelmente sentindo muita fome e sede, são chocantes, lamentáveis e evidenciam a disparidade grotesca entre as condições sociais das pessoas. E aqui fica a reflexão sobre quais iniciativas sociais os cidadãos brasileiros podem ter para ajudar os necessitados, sem ter sempre que depender das ações afirmativas do Poder Público. A ajuda não precisa ser necessariamente dinheiro, mas doações de comida, roupas, oportunidade de emprego e acima de tudo, de tempo para se dedicar a conhecer estas pessoas e a história de vida delas.

Ajudar um desconhecido de uma realidade totalmente diferente da nossa não é uma tarefa fácil, pois requer a desconstrução de muitos paradigmas e regras sociais das quais estamos habituados a conviver. Aquele casal da foto foi indiferente para com o sofrimento alheio, mas dizer que: - “A cara do bolsonarismo muito bem representado em uma imagem”; “Bolsominions são todos iguais. A própria náusea. Assustador”; “Foram desses aí que crucificaram Jesus, baita hipocrisia”; “Casal de merda”, dentre tantos outros comentários ofensivos, é desrespeitoso e em nada contribui para que uma mudança seja feita. São apenas críticas sem uma ação concreta para resolver o problema em questão.

A propósito, antes de exigirmos que o outro mude ou aja de acordo com as nossas convicções, primeiramente temos que ser esta mudança para nos tornarmos bons exemplos para outras pessoas. Vale lembrar que o exercício da filantropia e da caridade é algo que tem que partir de dentro, tem que ser espontâneo e não forçado ou cobrado. Estamos aqui para evoluir e aqueles que já despertaram para a espiritualidade, para a prática do amor e do senso de cidadania estão mil passos à frente no processo evolutivo do que significa ser cidadão de elevado grau espiritual.

 Portanto, não podemos perder, frente a esta dura e triste realidade, o sentimento de empatia, solidariedade, compaixão e de alteridade para com o próximo, devido ao fato de cada um de nós vivenciarmos realidades de um Brasil completamente diferente.

 

Foto: Reprodução/Instagram @sarah.teofilo

Fontes: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/05/160505_legado_pt_ru

https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/foto-de-sarah-teofilo-viraliza-na-internet-350851/

http://cidadaniaejornalismo.blogspot.com/2020/12/os-invisiveis.html


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