Os invisíveis
Na
sexta-feira (27/11), o morador de rua, Carlos Eduardo Pires de Magalhães, de 40 anos,
morreu dentro de uma padaria chamada Confeitaria e Lanchonete Ipanema, no Rio
de Janeiro. De acordo com alguns sites de notícias, ele estava no
estabelecimento pedindo comida quando teve um mal súbito. No entanto, o site de
informações Extra Globo publicou uma matéria jornalística afirmando que ele
estava pedido ajuda por estar muito doente.
Carlos
Eduardo tinha tuberculose em estágio bem avançado e já era morador de rua por
quatro anos. Segundo relatos de testemunhas, suas vestes estavam sujas de
sangue de tanto tossir. O corpo do falecido ficou coberto por um plástico preto
pelo período de duas horas até a Defesa Civil chegar ao local para levar o
corpo para o Instituto Médico Legal (IML).
O
que mais me impressionou foi o fato da padaria não ter fechado o
estabelecimento para não expor ainda mais o corpo do ex-morador de rua e a
falta de empatia da clientela que continuou comendo ou fazendo compras como se
nada tivesse acontecido. Qual a explicação para este tipo de comportamento?
A
meu ver, não há apetite que perdure enquanto um cadáver se encontra fresco e estirado
bem pertinho de você. É praticamente um café da manhã indigesto e nada agradável. Não
pelo fato da pessoa ter sido um morador de rua ou mendigo, como muitos costumam
se referir às pessoas como Carlos, mas pelo fato de um ser humano ter vivido e morrido
na invisibilidade.
Será
que ele tinha parentes que se importavam com ele? Será que ele tinha amigos? O que
Carlos Eduardo Pires fazia antes
de decidir viver nas ruas? O que ele deixou para trás para se tornar um morador
de rua? Uma casa endividada, um amor não correspondido, uma profissão malsucedida?
Com exceção da pobreza e falta de
oportunidades, quais são as razões que levam alguém a morar nas ruas? Será que
o sentimento de liberdade, autonomia e falta de controle da própria vida se sobrepõem
a tantos regramentos e leis sociais estabelecidos desde a infância, a tal ponto
das ruas serem a melhor opção? Haverá possibilidade de ser feliz vivendo com
tão pouco e, na maioria das vezes, dependendo da caridade alheia?
Acredito que muitas pessoas não
optaram por estar nas ruas, mas se encontram na sarjeta diariamente, pedindo esmolas,
por não ter outro lugar para morar; assim como há aqueles que abrem mão do
pouco que tinham para se libertar das pressões sociais as quais foram
submetidos por anos a fio. Também há indivíduos que simplesmente são
abandonados pela família por estarem bem doentes ou com idade avançada.
Nunca
saberemos quais foram as razões de Carlos, mas nem por isso devemos banalizar a
sua morte. Afinal de contas, trata-se de um ser humano como outro qualquer, merecedor
de respeito, mesmo que seja no momento do óbito. Uma lástima que a solidão e a
indiferença tenham sido as companheiras de Carlos Eduardo em uma situação como
esta. Nas ruas, pelo menos ele tinha dois cachorros que lhe acompanhavam em sua
jornada.
E
a morte de Carlos me fez relembrar o polêmico caso envolvendo a primeira-dama
de São Paulo, Bia Doria,
mulher do governador João Doria (PSDB), quando ela declarou, em
entrevista à socialite Val Marchiori, que as pessoas não deveriam doar marmitas
para moradores de rua. Como justificativa, disse que este ato seria um atrativo
para que eles ali permanecessem.
Bia Doria também afirmou que os sem-teto
preferem morar nas ruas do que nos abrigos construídos para atender as suas necessidades
por não querer assumir nenhum tipo de compromisso ou responsabilidade, tais
como respeitar e acatar os horários das refeições, limpeza etc. Contudo, os depoimentos
dados em julho deste ano revoltou muitas pessoas que repudiaram a fala da
primeira-dama nas redes sociais.
Na mesma linha de raciocínio, uma campanha
contra doações de esmolas e comida para moradores de rua foi criada no Facebook
em 2017 por cinco ou mais bairros da zona sul do Rio de Janeiro. Os argumentos
dos cariocas que apoiaram esta campanha foram no sentindo de que os moradores
de rua não querem trabalhar; querem apenas se aproveitar da boa vontade e
caridade daqueles que doam dinheiro e comida, enquanto eles não fazem nada para
mudar de vida. Na época, o administrador da página no Facebook, Pedro Fróes,
afirmou que os sem-teto são “esmoleiros por profissão”.
Este “seleto grupo” também acredita que
eles estão nas ruas somente para se drogar e cometer pequenos delitos ou até
mesmo infrações mais graves como assaltar transeuntes ou roubar
estabelecimentos comerciais de madrugada.
Além desta campanha, um edifício em Copacabana instalou esguichos de
água em sua marquise para evitar que moradores de rua dormissem nas proximidades
do local. Na época, os chamados “chuveirinho antimendigo” foram denunciados
pela prefeitura ao Ministério Público.
Curioso
como algumas pessoas tentam impor suas crenças e ideologias para os outros,
acreditando ser donos da verdade ou algo do tipo. Entretanto, a problemática
dos moradores de rua não se resume a um fator e sim, a vários deles que contribuem
para que o número de pessoas nas ruas continue crescendo.
Há
que se fazer ressalvas para o poder de transformação que a caridade e a
solidariedade exercem naqueles que são beneficiados pela empatia, compaixão e amor
ao próximo e principalmente, naqueles que as praticam cotidianamente em prol de
um bem maior.
A
recompensa disso tudo? A paz de espirito, consciência limpa, sentimento de
dever cumprido e satisfação plena em contribuir para a felicidade de outrem,
nem que seja por meio da doação de quentinhas para amenizar a fome dos
necessitados e miseráveis que não tem outra alternativa a não ser as ruas.
Ser
morador de rua não quer dizer indigno, apenas alguém que não teve tantas
oportunidades de vida ou que por escolha, decidiu viver à própria sorte. Infelizmente,
Carlos Eduardo não teve a empatia daqueles à sua volta, sendo embalado e
deixado num canto da padaria como se não valesse nada, enquanto outros se
deleitavam com um delicioso café.
Foto: Reprodução/www.gazetadopovo.com.br
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