Indignai-vos: a sutil arte de se manifestar sem agredir
Para quem conhece ou já ouviu falar do Beco do
Batman, na Vila Madalena (SP), vai se surpreender com a situação atual do
lugar. As paredes coloridas, cheias das mais diversificadas pinturas e grafite (arte urbana manifestada por meio de desenhos feitos
à mão, que cobrem muros e fachadas) deram espaço para paredes
pintadas totalmente de preto e frases de indignação pela morte do grafiteiro, produtor
cultural e rapper Wellington Copido Benfati, mais conhecido por NegoVila.
O artista paulistano, de 40 anos, foi assassinado friamente
por um policial militar no sábado (28/11), em frente à distribuidora Royal Bebidas, após tentar apaziguar uma briga entre o PM e um amigo. Apesar de ter sido
encaminhado para o Pronto Socorro da Lapa para receber atendimento médico
adequado, NegoVila não resistiu ao tiro que levou no tórax. Contudo, só não levou mais tiros, pois uma
amiga intercedeu e suplicou para que o policial não atirasse mais.
Este acontecimento me fez refletir sobre o
movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam) que se iniciou nos Estados
Unidos em maio deste ano, mas que já se espalhou pelo mundo inteiro, inclusive,
no Brasil. Além de defender os direitos e garantias fundamentais da comunidade
negra, o movimento busca combater o racismo estrutural e o abuso da força policial
que acontece por meio de abordagens altamente violentas, desrespeitosas e muitas
das vezes, criminosas contra cidadãos negros.
Não há como negar a força e a magnitude que o
movimento negro adquiriu ao longo dos meses, evidenciando a indignação das
pessoas que estão cansadas de permanecer caladas enquanto um dos seus está
sendo baleado e gravemente ferido pela polícia. Afinal de contas, o silêncio
contribui para que atos violentos continuem sendo direcionados à população
negra e a negritude não aguenta mais ficar inerte em situações como estas.
Deste modo, acredito na autenticidade e legalidade
do movimento negro, que surgiu em razão das inúmeras injustiças sofridas por homens
e mulheres de cor devido ao preconceito racial que ainda impera em diversos
países. No Brasil, a situação torna-se ainda mais complexa, uma vez que boa
parte da sociedade não reconhece a existência do racismo; logo, como combater
algo que “tecnicamente não existe”?
Entretanto, muitos indivíduos pertencentes a grupos
radicais, formados por afrodescendentes, se aproveitaram do movimento e das
passeatas para praticar atos violentos e cometer crimes graves, tais como:
depredar vias públicas, furtar lojas e supermercados, assim como iniciar incêndios
em diversos estabelecimentos. Uma lástima que estes acontecimentos trouxeram dúvidas
e certos questionamentos sobre a legalidade do movimento negro nos USA.
Recentemente, aconteceu algo bem parecido no Brasil,
quando várias pessoas adentraram em diversos estabelecimentos da rede de
supermercado Carrefour, destruindo alimentos, danificando objetos e até mesmo ateando
fogo no local, em protesto a morte de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, espancado até a morte por dois seguranças brancos.
Não estou aqui para condenar ninguém, até mesmo porque estou suscetível
de cometer atos imprudentes e irracionais quando colocada em situações de
perigo ou grave ameaça. Mas acredito que a violência, seja de qual tipo for,
jamais será a solução para os problemas socioculturais deste país. Concordo
plenamente que as pessoas têm o total direito de expressar a sua dor, ira e
indignação, embora não de maneira violenta, pois na minha humilde concepção, um
erro não justifica o outro e, porque violência só gera mais violência.
Quando vi a manifestação dos artistas e moradores da Vila
Madalena sobre o assassinato de NegoVila, foi como se tivesse recebido um soco
no estômago, pois só quem já esteve presente no Beco do Batman, vai entender exatamente
do que estou falando. As homenagens que os amigos e a população local fizeram para
o famoso grafiteiro, na minha opinião, surtiram muito mais efeito do que se eles
tivessem ido para as ruas fazer baderna ou destruir objetos.
A grande diferença entre uma manifestação pacífica de outra
que se utiliza do sofrimento alheio para cometer atos criminosos, está
justamente na sua licitude. E a partir do momento em que determinadas manifestações
ultrapassam os limites legais e morais, elas perdem a finalidade e tornam-se
verdadeiras aberrações.
Vivemos em uma sociedade regida por diversas normas jurídicas
e não cabe a nenhum de nós fazer justiça com as próprias mãos, especialmente, quando
implica em desrespeitar as próprias leis para cometer atos ilícitos. Infelizmente,
a sociedade atual depara-se com muitos justiceiros perambulando por aí, acreditando
serem donos da verdade e representantes fiéis da justiça.
Simplesmente muito tocante a manifestação da Vila Madalena que
demonstrou o seu repúdio ao abuso da força policial (que tirou a vida de um
homem) e, ao mesmo tempo, demonstrou a admiração, o carinho e o respeito que muitos
sentiam por um artista extraordinário e ícone cultural do bairro paulistano.
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-30/dor-tinge-de-preto-o-beco-do-batman.html
Foto:Reprodução/Instagram @revistatrip
Comentários
Postar um comentário