A falta de razoabilidade do Poder Judiciário
“Tu suportaria
ficar mais um pouquinho com o bebê”?
Esta
foi uma das perguntas que a juíza Joana Zimmer Ribeiro, titular da 1ª Vara
Cível da Comarca de Tijucas (SC), fez em audiência para uma criança de onze
anos de idade que foi estuprada e engravidou do agressor. O intuito desta
pergunta? Convencer uma menina de tenra idade a não abortar e prosseguir com a
gestação até o sexto mês, quando já fosse possível retirar o bebê da barriga
sem risco de morte.
Em
maio deste ano, uma criança acompanhada de sua mãe foi ao Hospital
Universitário da UFSC, em Florianópolis, solicitar a interrupção da gravidez
indesejada da filha, fruto de violência sexual. Contudo, os médicos negaram o
pedido alegando que naquela instituição, o prazo para realização do aborto sem
autorização judicial é de até vinte semanas de gestação. A menina, no entanto,
estava com vinte e duas semanas e dois dias. Vale ressaltar que havia poucos
dias que a mãe havia descoberto de que a filha, na época com apenas dez anos,
estava grávida quando foram procurar ajuda médica naquele hospital.
Apesar
da incessante busca pela autorização, a criança foi afastada do âmbito familiar
e mantida em abrigo de proteção por meio de uma ação cautelar ajuizada pela
promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público catarinense e que foi concedida
pela juíza. Em um primeiro momento, o objetivo foi de afastar a menina do
agressor, de modo que não pudesse sofrer novas abordagens sexuais. Entretanto, também
se tornou um meio de manter a menina em vigilância e sob o controle
jurisdicional de maneira que ela e a genitora não buscassem lugares que
fizessem o aborto legal. Segundo Joana Ribeiro, o maior receio era de que a
menina “efetuasse algum procedimento para operar a morte do feto”.
De
acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, o aborto é proibido por lei,
porém, há situações em que o aborto é permitido no Brasil: 1) Gravidez de risco
à vida da gestante; 2) Gravidez resultante de violência sexual e 3) Anencefalia
fetal (má formação do cérebro e do sistema nervoso do bebê). Somente nestas
três circunstâncias é permitida a interrupção da gravidez, sem impor qualquer
limitação de semanas da gestação e sem exigir autorização judicial. Portanto, o
caso desta criança deveria ter sido solucionado o mais rápido possível pelas
autoridades locais, assim que tiveram ciência do estupro de vulnerável com
resultado agravante de gravidez.
Então,
por que esta medida não foi tomada de imediato se a criança preencheu mais de
um requisito taxativo na lei? Não há dúvidas de que esta gestação está pondo a
vida desta garotinha em risco, uma vez que o seu frágil corpo ainda está em
formação. Ora, trata-se da estrutura biológica de uma infante em
desenvolvimento, sem qualquer maturidade emocional ou aptidão física para gerar
uma vida, ainda mais pelo fato deste bebê ter sido fruto de um verdadeiro ato
de violência, crueldade e desumanidade!
No
entendimento da juíza, o aborto só poderia ter sido realizado até as vinte e
duas semanas de gestação, pois passado este prazo seria considerado homicídio
por haver viabilidade à vida uterina. Entretanto, ela esqueceu que para o
ordenamento jurídico brasileiro, o feto só adquiriria personalidade jurídica com
o nascimento em vida, ou seja, estando dentro da barriga da mãe jamais se
caracterizaria homicídio e sim, aborto. Todavia, o aborto que deveria ser sido
realizado na criança não seria tipificado, uma vez que se caracteriza como
causa excludente de tipificação prevista no próprio diploma legal.
O
vídeo da audiência, em que a menina está sendo interrogada, vazou na internet e
muitas pessoas puderam perceber o comportamento inadequado e tendencioso da
juíza e da promotora que fizeram perguntas bastante complexas para uma criança
de onze anos responder. Se para uma mulher adulta já é difícil decidir sobre
questões desta relevância, imagina para uma infante que não sabia nem como os
bebês eram concebidos!
Ambas
manipularam a cabeça da criança induzindo-a a manter a gestação por mais tempo
do que deveria, mesmo ela dizendo que não queria o feto. E mais, deram a
entender de que ela estaria fazendo algo muito errado se não concordasse com o
que estavam dizendo, inclusive, afirmaram de que ela seria responsável pelo
homicídio de um serzinho frágil que agonizaria até morte em razão do aborto.
Uma verdadeira pressão psicológica numa criança traumatizada por um estupro e
que estava sendo coagida a manter um bebê em seu ventre por vontade de
terceiros.
Um
absurdo sem tamanho, por se tratar do Poder Judiciário, que deveria em tese,
acolher, prezar e assegurar a integridade física, moral e emocional da criança.
No entanto, nos deparamos com autoridades públicas arbitrárias que cercearam a liberdade
de uma menina, vale ressaltar, vítima de estupro, privando-a do direito ao
aborto legal e fazendo-a passar por momentos ainda mais traumáticos ao
afastá-la do âmbito familiar e forçá-la a gerar um bebê contra a própria
vontade.
A
juíza fez várias perguntas capciosas do tipo: “Você tem algum pedido especial
de aniversário? O que você gostaria de pedir de presente de aniversário? Quer
escolher o nome do bebê? Essa tristeza de hoje é a felicidade de um casal. Não
é melhor entregar o bebê para uma família que deseja ter? Quanto tempo que você
aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para a gente acabar de formar ele,
dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro para a gente poder
fazer a retirada para outra pessoa cuidar? Você acha que o pai do bebê
concordaria com a entrega para adoção”?
QUE
DISSENSO, QUANTA INVERSÃO DE VALORES! UMA CRIANÇA NÃO É MÃE! UM ESTUPRADOR NÃO
É PAI, NÃO TEM DIREITO DE OPINAR EM NADA! LAMENTAVELMENTE, A ÚNICA PESSOA QUE
TINHA DIREITOS FOI PRIVADA DELES.
Tudo
indica que tanto Joana quanto Mirela não possuem filhas, pois a conduta de
ambas foi tão cruel quanto o estupro, pois se aproveitaram da inocência e
ingenuidade de uma criança sem qualquer instabilidade emocional, que não estava
entendendo o que estava acontecendo, para persuadi-la a não abortar. Esta
criança teve a infância interrompida pelo estupro sofrido e ainda ter que
coexistir com um filho que carrega, em parte, o gene daquele que a violentou? É
exigir demais de uma criança um fardo desses. Imagina também como seria a vida
deste bebê quando perguntasse da família biológica e soubesse de que foi fruto
de um ato violento?
Um
dia após a publicação da matéria nos sites “Portal Catarinas” e “The Intercept
Brasil”, uma desembargadora autorizou a liberação da menina do abrigo, embora
ela tenha ficado por mais de quarenta dias no local. Tanto a corregedoria do
MP/SC quanto a do TJCS abriram uma investigação contra as condutas da promotora
e da juíza. O Ministério Público Federal também instaurou um inquérito civil para
averiguar a resposta negativa do Hospital Universitário da UFSC diante o pedido
do aborto.
Esta
trágica história me lembrou de outro caso polêmico de estupro que aconteceu em
agosto de 2020, no Espírito Santo, em que uma menina de dez anos foi estuprada
pelo tio por quatro anos e acabou engravidando. Contudo, diferentemente da
garotinha atual, conseguiu fazer o aborto em um hospital por um médico que se
prontificou a realizar o procedimento. Várias pessoas estiveram em frente ao
hospital para protestar contra o aborto, mas não foram capazes de impedir o que
deveria ser feito em prol da integridade física, bem-estar de uma criança e da
preservação da infância.
Atualmente,
a menina se encontra com vinte e nove semanas de gestação e foi liberada na
terça-feira (21/06) para retornar para casa. A defesa da família, portanto,
entrou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC)
para realizar o procedimento de interrupção da gravidez. Muito triste o que
ocorreu para esta inocente criança e familiares, pois tanto sofrimento poderia
ter sido evitado se os agentes responsáveis pelo caso tivessem tomado as
medidas necessárias desde o início.
Foto: Reprodução/Instagram @desenhosdonando
Fontes:
https://theintercept.com/2022/06/20/video-juiza-sc-menina-11-anos-estupro-aborto/
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