Pais processam filho por não ter-lhes dado um neto

 




Recentemente, um tribunal da Índia foi acionado por um casal que está processando o filho único, de 35 anos, e a nora por não lhes terem dado um neto, mesmo estando casados há seis anos. Eles deram o prazo de um ano para que eles possam providenciar o pedido e caso não seja realizado, irão exigir uma indenização pelos abalos psicológicos e emocionais sofridos no valor de 50 milhões de rúpias indianas (R$ 3,2 milhões).

Os pais alegaram que investiram muito dinheiro na criação, formação acadêmica e profissional do filho como piloto e, portanto, estão passando por dificuldades financeiras na atualidade, além de terem comprado um carro luxuoso para o filho e terem pagado a lua de mel do casal. Contudo, para além da questão financeira, se sentem sozinhos, tristes e desamparados por não terem um neto com o qual sempre sonharam. Apesar do processo visar o filho e a esposa como integrantes do polo passivo da ação, os pais da nora também foram mencionados na petição inicial e são alvos de severas queixas.

Eu não sei quanto a você, mas esta notícia me incomodou bastante e após me recompor do choque inicial e do ataque de risos que tive, parei para refletir a respeito dos roteiros que seguimos ao longo da vida e que foram impostos, em sua grande maioria ou até mesmo em sua totalidade, pela sociedade. Roteiros totalmente enrijecidos, demodês e enraizados na cultura de diversos países como o Brasil e a Índia e, que ditam a nossa forma de viver desde muito pequenos até a fase adulta e continuam moldando até o fim da vida.

Na incessante busca pela aceitação da sociedade, representada pelas nossas relações familiares e sociais mais íntimas, muitas das vezes seguimos os roteiros pré-estabelecidos sem questionar algumas “verdades absolutas” sobre o que significa tonar-se um adulto bem sucedido e dentro dos padrões estabelecidos. Afinal de contas, todo indivíduo de sucesso deve ter um ensino superior, o melhor emprego de todos os tempos, se casar e querer ter filhos (no plural, pois um não basta)!

Quando alguém não segue o "script", nesta linha de raciocínio e nesta ordem cronológica, é considerado um perdido, um joão-ninguém, um cidadão sem futuro brilhante ou perspectiva de vida. Que ledo engano, pois há tanta gente neste mundo que se libertou desta mentalidade arcaica e conservadora da sociedade, quebrando paradigmas e, que é bem sucedida no que faz, mesmo não se casando, não tendo filhos ou sequer um diploma. E o melhor de tudo, é extremamente feliz, satisfeita e realizada com as escolhas que fez fora dos padrões estabelecidos. No entanto, até quando a sociedade vai continuar pensando que felicidade e sucesso é receita de bolo e que uma está atrelada a outra?

Ninguém deve dizer como devemos viver a nossa vida, pois ela diz respeito somente a cada um de nós. É de certo que os pais querem sempre o melhor para seus filhos, mas não podem projetar as suas vidas, frustrações e expectativas neles, uma vez que foram feitos para o mundo e não para eles. Infelizmente, muitos genitores não conseguem compreender que não podem controlar a vida dos rebentos para sempre, pois chega uma etapa de vida em que eles tomam decisões por conta própria e os pais devem respeitá-las, mesmo que seja a de não ter filhos ou até mesmo de ter filhos na hora que eles quiserem ter.

Confesso que senti um sentimento de revolta e incredulidade por parte dos pais que processou o filho pelo fato dele não ter tido filhos até o presente momento. Além de surreal, este pensamento é muito perigoso no sentindo das pessoas se sentirem no direito de interferir diretamente na vida de outrem desta maneira como se fossem donos da verdade. E o fato deles exigirem isso, chantageando o próprio filho é a demonstração de que certos valores sociais precisam mudar urgentemente, pois o conceito de família já não é o mesmo de 15, 30 ou 50 anos atrás.

Também considerei descabido o pedido de indenização como forma de compensação pelos custos da criação dos filhos. Ora, como já dizia o velho ditado popular: - “Quem pariu Mateus que balance”! Expressão que derivou da original: - "Quem pariu, mantém e embale", que retrata a necessidade de compromisso dos responsáveis por seus filhos e de dar-lhes o mínimo para que tenham uma vida digna. Os filhos não pediram para nascer, então, não é justo que agora os pais venham exigir o retorno financeiro pela educação dos rebentos, ainda mais quando os pais presentearam seus filhos com presentes de luxo e estudos caríssimos. Deram por que quiseram (e puderam), mas ninguém os obrigou.

De todo modo, acredito que os filhos deverão praticar o exercício da gratidão aos pais pela árdua dedicação, empenho e investimento na criação e educação deles, enquanto indivíduos e cidadãos mais conscientes e responsáveis. E se atrelado a tudo isso, vier amor e afeto, mais um motivo para agradecer. Contudo, nem por isso, os filhos devem acatar os desejos dos pais somente para agradá-los ou suprir suas expectativas.

Mesmo não sabendo qual será o desfecho deste caso na Índia, espero que uma boa dose de bom senso guie a decisão do juiz da causa, pois ninguém pode ferir a liberdade de escolha (planejamento familiar, privacidade e liberdade de reprodução) do outro. Já pensou se esta moda pega aqui no Brasil?

Foto: Reprodução/www.meapaixonei.com.br

Fontes:

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/casal-indiano-processa-filho-unico-por-nao-terem-netos/#:~:text=Um%20casal%20na%20%C3%8Dndia%20est%C3%A1,ap%C3%B3s%20seis%20anos%20de%20casamento.

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/05/12/casal-indiano-processa-filho-exigindo-que-ele-tenha-um-neto.htm

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