Carrefour: pagamento em dinheiro, cartão ou vidas

 


O dia da consciência negra também registra a data da morte de Zumbi, um dos líderes do Quilombo de Palmares, uma das maiores comunidades negras no Brasil - verdadeiro símbolo de resistência e luta - que existiu por mais de cem anos e foi povoada por negros escravizados que fugiam das senzalas para construir uma vida livre.

Infelizmente, esta data celebra não só uma grande conquista, mas também a dor e o sofrimento daqueles que se sacrificaram ao longo da história, inclusive com a própria vida, para defender os direitos civis dos negros e a igualdade social para que as gerações posteriores pudessem conquistar o devido espaço na sociedade como cidadãos detentores de direitos e garantias fundamentais.

Contudo, a libertação da comunidade negra e sua visibilidade social foram traçadas a pequenos e lentos passos, desde a abolição da escravidão em 1888 até os dias atuais, em que pese não mais haver a escravização de pessoas negras, há a proliferação do racismo, que mata tanto quanto a própria escravidão.

E quando me refiro ao verbo “matar”, não digo apenas no sentindo real da palavra, mas também no sentido figurado, pois conviver diariamente com o preconceito racial é algo que retira a dignidade daqueles que são inferiorizados e menosprezados pela cor da pele. Afinal de contas, a pessoa não vive, apenas sobrevive a mais um dia para continuar enfrentando o ódio, a indiferença social e a falta de oportunidades.

Por muito tempo, o negro foi objetivado e considerado como algo sem valor, que servia apenas para trabalhos servis, manuais e de carga. Embora boa parte desta concepção já tenha sido alterada, ainda há resquícios desta mentalidade arcaica e preconceituosa por meio da propagação do pensamento de que pessoas negras devem ocupar apenas empregos como copeiras, jardineiros, domésticas, seguranças, dentre outros. Faço ressalvas para o fato de que não estou desmerecendo estes tipos de emprego que são tão dignos quanto outro qualquer.

Não se trata apenas de uma data comemorativa, mas da verdadeira busca pela identidade do negro que foi perdida há séculos, ou melhor, dilacerada pelos senhores de engenho e pela mentalidade da sociedade na época colonial. Portanto, a consciência negra significa a reafirmação do negro na sociedade por meio da preservação dos valores e costumes dos antepassados, o enaltecimento da cultura e das raízes africanas que foram deixadas para trás e o embelezamento das características físicas de um povo.

Infelizmente, apesar das inúmeras conquistas do movimento negro no Brasil (e no mundo), e da forte atuação de militantes na causa antirracista, o país ainda se depara com situações que extrapolam a ética, a moral e até mesmo a lei. Na noite de ontem (19/11/020), João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi espancado até a morte por dois seguranças brancos do supermercado Carrefour, de Porto Alegre.

As imagens captadas por câmera de celular evidenciam a violência grotesca sofrida por João Alberto, sendo covardemente agredido por dois seguranças que lhe davam chutes e socos por toda parte. Um deles chegou a imobilizá-lo com o joelho nas costas, relembrando o trágico caso do cidadão afro-americano, George Floyd, que morreu sufocado após ter sido imobilizado por um policial que manteve o joelho pressionado em seu pescoço por quase oito minutos.

Segundo o site de notícias, G1, tudo começou após um desentendimento entre João e uma funcionária do estabelecimento, que após ter sido ameaçada por ele, chamou os seguranças para intervir. A própria funcionária aparece no vídeo ao lado dos seguranças, observando a barbárie cometida contra um cidadão e, no entanto, sem tomar nenhuma medida para impedir o que estava acontecendo. É espantoso a naturalidade e a frieza com que ela lidou com a situação.

Na verdade, é muito mais do que um ato de agressão, é um ato criminoso e desumano, devendo os seguranças responderem penalmente pelo crime de homicídio qualificado em razão das circunstâncias da morte da vítima. Nem mesmo a equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) conseguiu salvar a vida de João Alberto Freitas por meio de reanimação cardíaca, pois a situação dele já estava bastante crítica a tal ponto de ter falecido no local.

As autoridades ainda não confirmaram se o caso também abarcaria o crime de racismo, contudo, gosto sempre de questionar: “Se fosse com um homem branco, será que a repercussão teria sido a mesma? Por que a gente só houve falar de casos desta magnitude envolvendo pessoas negras? Acontece por conta do racismo, da classe social ou os dois”? E mesmo que João Alberto Silveira Freitas tenha sido inicialmente desrespeitoso com a funcionária, um erro não justifica o cometimento de outro, especialmente quando não é na mesma proporção. 

O grupo Carrefour lamentou a morte, também iniciou uma apuração interna no estabelecimento e rescindiu o contrato com a empresa de segurança. Infelizmente, um pedido de desculpas não irá desfazer o que foi feito à João e sua família que sofre a perda de um ente querido. É realmente lamentável que uma situação como esta tenha acontecido, principalmente um dia antes da consciência negra. A Carrefour afirmou que irá adotar as medidas necessárias para responsabilizar os envolvidos no ato criminoso.

Vamos educar as novas gerações sobre a igualdade de gênero, cor, condição social, religião etc, para impedir que novas atrocidades como esta aconteçam e vidas sejam perdidas em razão da intolerância racial.

 

Fontes:

https://brasilescola.uol.com.br/historiab/quilombo-dos-palmares.htm

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/11/20/ele-pediu-milena-me-ajuda-diz-mulher-de-homem-negro-morto-em-carrefour-de-porto-alegre.ghtml

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/homem-negro-e-espancado-e-morto-por-segurancas-do-carrefour-em-porto-alegre/

 

Foto: Reprodução/Instagram @fenasps

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