Butantan ou Presidente tantan?


 

“Que país é esse”? Já indagava a música do Legião Urbana, que ficou famosa pelo seu forte teor crítico para com a situação político-social e econômica do Brasil daquela época, tornando-se verdadeiro hino de protesto dos brasileiros com relação ao total descaso dos dirigentes do país, que se omitem de suas responsabilidades e obrigações para com a nação.

É muito triste e decadente pensar que esta canção ainda se mantém atual e contextualizada com a realidade do Brasil de hoje, apesar de transcorridos trinta e três anos de seu lançamento nas rádios. É como se o país tivesse avançado em alguns setores da sociedade, contudo, tivesse parado ou até mesmo regredido em tantos outros aspectos, a tal ponto de nada mudar, principalmente no que diz respeito à velha e conhecida politicagem, corrupção, pobreza e condição de país subdesenvolvido.

O cenário político atual corrobora imensamente para a insatisfação do povo brasileiro com o comportamento dos dirigentes e autoridades do maior escalão da República Federativa do Brasil, que massageiam seus egos na disputa política para angariar mais votos nas próximas eleições. A rixa entre o Presidente Jair Bolsonaro e o Governador de São Paulo, João Dória, sobre a obrigatoriedade da vacina que está sendo fabricada pelo Instituto Butantan, em parceria com o laboratório farmacêutico chinês Sinovac, continuará trazendo mais transtornos e dúvidas para a população.

Após a recente morte de um voluntário, de 33 anos, que participava da fase 3 dos testes da vacina contra o Covid-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu os estudos envolvendo a elaboração e aprimoramento da vacina no Instituto Butantan, a Coronavac, que ainda está em fase de aprimoramento para posterior aprovação da Anvisa.

Em razão deste lamentável episódio, o Presidente Bolsonaro se pronunciou publicamente para se vangloriar da suposta vitória sobre a sua crença de que o povo brasileiro não deve se submeter à obrigatoriedade da vacinação, como alguns Estados brasileiros querem impor, especialmente o Estado de São Paulo, no que diz respeito às dúvidas que ainda pairam sobre a eficiência e segurança da Coronavac.

É lastimável que o Chefe de Estado de um país, com o poder de representatividade de uma nação, tenha tido uma postura tão indecorosa e insensível a ponto de comemorar a morte de um cidadão para justificar suas ações e ideologias. Não se tratava apenas de uma morte, mais da soma de mais de 162 mil óbitos de Covid-19 no país até o presente momento, embora, este raciocínio seja de difícil cognição para um indivíduo que sempre tratou a epidemia do coronavírus com desdém e piadas do tipo: - “É apenas uma gripezinha”.

Entretanto, o Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo emitiu relatório médico, indicando o suicídio como a verdadeira causa da morte do ex-voluntário. Esta informação também foi difundida pela Secretaria de Saúde do Estado. De acordo com o depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, a Avisa já tinha sido informada sobre a falta de casualidade entre a morte e a vacinação a qual o ex-voluntário foi submetido ainda em vida e, mesmo assim, a agência reguladora resolveu suspender os testes.

São em momentos como este em que o questionamento evocado pela música “Que país é esse”? deve ser suscitado para indagar a falta de humanidade, compaixão e respeito do Presidente Jair Bolsonaro para: 1) com o morto, que estava exercendo um ato de solidariedade e cidadania ao se voluntariar para o teste da vacina; 2) com o sofrimento dos familiares e entes queridos do falecido que estão lidando com uma perda imensurável.

Além da falta de tato, há que se mencionar a falta de bom senso do Presidente que não sabe filtrar os pensamentos antes de falar e acaba sempre dizendo mais do que deveria. Defeito que já o comprometeu em várias situações, principalmente em pronunciamentos públicos, ainda mais por se expressar de maneira tão agressiva, debochada e sem educação.

Com base no histórico dos últimos presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro faz jus ao grupo de figuras públicas que necessitam urgentemente de curso de oratória para aprender a dialogar melhor em público e argumentar sem ofender alguém ou os próprios jornalistas que o estejam entrevistando.

Apesar da retomada dos testes da Coronavac, nesta quarta-feira (11/11), a decisão da Anvisa pela suspenção da vacina suscitou envolvimento político da agência reguladora com o Governo Federal ao descredibilizar o trabalho que está sendo feito pelo Instituto Butantan, centro de pesquisa biológica bastante renomado no país e fora dele. Esta decisão pode ter repercussões muito maiores ao instalar o medo e a insegurança na população com relação a vacina.

Por outro lado, é compreensível a desconfiança da população sobre a vacina, uma vez que ela pertence a farmacêutica Sinovac, de origem chinesa. O Butantan será apenas o patrocinador dos estudos clínicos da fase 3 conduzidos no Brasil, inclusive, arcando com todos os custos e sendo responsável pela sua execução. Não há como exigir uma conduta diferente das pessoas após a confirmação de que o coronavírus surgiu da China, estigmatizando ainda mais o país asiático e tudo o que vem de lá.

De acordo com o Presidente Bolsonaro, a vacina não poderá ser obrigatória com base na Lei nº 6.259/1975, que atribui ao Ministério da Saúde a função de determinar quais são as vacinas obrigatórias no Brasil. Contudo, uma nova lei federal promulgada no início deste ano, a Lei n° 13.979/2020, assegura aos Estados e Municípios a autonomia para determinar a obrigatoriedade da vacina.

Muitos juristas, professores de Direito e constitucionalistas pelo país defendem que a obrigatoriedade da vacina não é inconstitucional, uma vez que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, prevalecendo o interesse público sobre a liberdade individual do cidadão. Ademais, a própria Constituição Federal (1988), em seus respectivos artigos 23°, II e 24°, XII, atribui à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência comum para cuidar da saúde pública e atribui à União, Estados e DF, a competência concorrente para legislar sobre a proteção e defesa da saúde.

Na dúvida sobre qual lei federal deve ser aplicada no caso concreto, o ordenamento jurídico brasileiro entende que a norma específica prevalece sobre a norma geral (critério da especialidade). Desta maneira, a Lei n° 1.3979/20 que versa sobre o combate ao coronavírus afasta a incidência da Lei n° 6.259/75 que versa sobre o Programa Nacional de Imunizações. Outro importante critério de desempate recai sobre a cronologia das normas, sendo que a lei mais nova/atual prevalece sobre a mais antiga.

Infelizmente, as ações do Presidente Jair Bolsonaro evidenciam que o ego, arrogância, rivalidade e disputa política são mais importantes do que os problemas causados pela pandemia, atrapalhando, inclusive, tomadas de decisões que são cruciais para amenizar o pavor, a insegurança e o sofrimento da maior parte da população que está há meses de luto, passando fome e sem perspectivas de emprego.

E mais uma vez, eu me questiono: - Que país é esse? Até quando continuaremos sendo vítimas da má gestão da máquina pública? Até quando teremos que aguardar por gestões públicas mais eficientes, céleres, íntegras e verdadeiramente compromissadas em atender as demandas da população? Até quando a captação de dinheiro é mais importante do que vidas? Até quando suplicaremos por um pouco de dignidade e respeito dos nossos dirigentes para com o povo, verdadeiro titular de direito?

 

Fontes:

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54902608

https://coronavirus.atarde.com.br/iml-aponta-suicidio-como-causa-de-morte-de-voluntario-da-coronavac/

https://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/bolsonaroe-leviano-e-irresponsavel-ao-comemorar-suspensao-de-vacina-por

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54623754

 

Foto: Reprodução/ www.ictq.com.br

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