Atestado de incompetência


Na sexta-feira (11/10), o Brasil se deparou com a alarmante notícia de seis pessoas infectadas com HIV, após terem recebido órgãos transplantados pela SES - RJ (Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro). Esses órgãos advieram de dois doadores infetados pelo vírus, cujo respectivos nomes serão mantidos em sigilo para preservar a identidade deles (assim como a dos receptores). Segundo o infectologista e professor do curso de Medicina da Universidade de Franca (Unifran), Rubens Pereira, o risco de transmissão de HIV por meio de transplante de órgãos é extremamente raro. Estes são os primeiros casos documentados no país, algo inédito na história da saúde pública do estado do Rio de Janeiro (e do Brasil como um todo), que desde 2006, já salvou a vida de 16 mil pessoas por meio do transplante de órgãos.

O responsável por fazer a sorologia dos órgãos foi o Laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS Lab Saleme), empresa contratada com urgência pela SES – RJ, em dezembro de 2023, por meio de licitação no valor de R$ 11 milhões. O laboratório, que atua desde 1969, fica localizado em Nova Iguaçu, na Embaixada Fluminense. Na quinta-feira (10/10), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fez uma inspeção no local e constatou que não havia kits necessários para realizar os exames, além do fato de não ter encontrado documentos que comprovem a compra de tais materiais. Deste modo, a Anvisa suspendeu temporariamente os serviços prestados pela PCS Lab Saleme e também interditou o laboratório.

Em decorrência da interdição e da abertura de inquérito policial, feita pelo delegado Felipe Curi, os exames sorológicos em doadores de órgãos passarão a ser realizados pelo Instituto Estadual de Hematologia (Hemorio), vinculado à Secretaria de Saúde do RJ, que reavaliará todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir da data da contratação do laboratório (total de 288 amostras). A SES – RJ abriu uma sindicância para identificar e punir os responsáveis e o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS) abriu uma auditoria para verificar prováveis irregularidades no contrato que foi realizado por pregão eletrônico.

Segundo Lígia Câmara Pierrotti, infectologista e coordenadora da Comissão de Infecção em Transplante da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), estes recentes casos vão de encontro ao modus operandis realizado há décadas no Brasil, cujo reconhecimento, em nível internacional, é tamanho pela qualidade de sua atividade no setor - o quarto país que mais realiza transplantes de fígado e rim no mundo. Além disso, o Sistema Nacional de Transplante tem critérios e protocolos rigorosos, contando também com os avanços nos testes de triagem que conseguem detectar infecções e vírus como HIV, Hepatite B e Hepatite C, entre outros, para garantir a segurança dos receptores.

Desde que a Band News noticiou o caso destas seis pessoas contaminadas, veio a público a notícia de que o laboratório PCS Lab Saleme possui vários processos na Justiça por erros absurdos de exames, desde falso positivo para HIV, HPV a exame negativo de gravidez quando, na verdade, a mulher estava de fato grávida. Estes são apenas alguns dos processos judiciais que a empresa respondeu (ou ainda responde) há mais de dez anos. Agora a questão que paira no ar: como um laboratório com este histórico terrível e visíveis falhas no sistema conseguiu ganhar uma licitação com o Estado do Rio de Janeiro?

Como se não bastasse a angústia e a espera pelo tão desejado órgão para que obtenham mais tempo de vida, estas pessoas agora terão que lidar com mais uma enfermidade: o vírus HIV. Por mais que a medicina tenha evoluído e disponibilize tratamentos cada vez mais eficientes e com menos efeitos colaterais, elas conviverão com uma doença que ainda não tem cura. O pior de tudo é que estamos falando de pacientes que receberam órgãos transplantados que normalmente, por si só, já possuem um alto índice de rejeição. Imagine agora ter que lidar com um vírus que quando ativado, baixa totalmente a imunidade do infectado!

A investigação policial leva a crer que os resultados do PCS Lab Saleme podem ter sido forjados, uma vez que não foi encontrado os kits necessários para realizar o exame de sorologia dos órgãos que foram doados. O que é gravíssimo. Deste modo, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro deve dar respostas referentes ao contrato realizado com este laboratório e buscar reforçar as normas de segurança do Sistema Nacional de Transplante para evitar novos incidentes. Que o laboratório seja responsabilizado tanto civil quanto penalmente pelas barbaridades e crimes cometidos.

 

Foto: Pinterest

Fontes:

Quais os riscos de contrair HIV por transplante de órgãos? Médico tira dúvidas | CNN Brasil

Polícia prende sócio de laboratório no caso de órgãos infectados por HIV - ISTOÉ Independente (istoe.com.br)

Seis pessoas são infectadas por HIV após transplante de órgãos no RJ (gazetadopovo.com.br)

Seis pessoas testam positivo para HIV após receberem órgão infectado; saiba mais (bnews.com.br)

Seis pessoas testam positivo para HIV após receberem órgão infectado; saiba mais (bnews.com.br)

288 amostras de doadores de órgãos são reavaliadas por Hemorio no RJ - Metro 1

'Caso de transplante de órgãos com HIV é inédito no país': saiba como a triagem funciona no Brasil | Saúde | G1 (globo.com)

Instagram: @conexaopoliticabrasil


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