O paradoxo da tecnologia moderna




Em textos anteriores, já mencionei sobre a dualidade da influência que a tecnologia exerce em nossas vidas, podendo ser tanto positiva quanto negativa. Tudo dependerá da maneira como consumimos e interagimos com as plataformas digitais e os inúmeros aplicativos disponíveis, lembrando que eles foram inicialmente criados para nos proporcionar maior praticidade e conforto.

A problemática, portanto, gira em torno da relação de dependência que criamos com os aparatos tecnológicos e a internet em si, como se as pessoas não pudessem existir sem estar conectadas vinte e quatro horas ao mundo virtual, criando uma complexa relação simbiótica com a tecnologia e seus benefícios a qualquer custo. Com ressalvas para o fato de que o ser humano é o verdadeiro parasita que adentra no vasto campo cibernético, misturando realidade com ficção.

O consumo excessivo da tecnologia se tornou algo tão forte e comum nos dias atuais, que as pessoas, em sua maioria, não têm consciência da quantidade de vezes que ficam conectadas às telinhas e quando possuem certa noção, não conseguem lidar com o vício de consumir os recursos oferecidos pela tecnologia altamente avançada e moderna. Trata-se de uma verdadeira relação de dependência química, pois os estímulos que recebemos diariamente pelas redes sociais, por meios dos nossos smartphones, tablets, computadores, etc. nos fazem querer permanecer conectados por mais tempo ao ambiente virtual.

No contexto atual de pandemia, este problema se agravou ainda mais pelo fato da população se manter em casa na maior parte do tempo (com exceções dos trabalhadores que atuam na linha de frente de combate ao Covid-19 e daqueles que atuam na prestação de serviços essenciais), em razão da quarentena, dos diversos lockdowns e das restrições ao horário de funcionamento do comércio. É notório o quanto as pessoas passaram a se utilizar demasiadamente dos aparatos tecnológicos para trabalhar em home office, consumir notícias, se entreter, pedir comida por meio de aplicativos de delivery e comprar produtos pela internet.

Recentes casos bizarros e até engraçados, que aconteceram no Brasil e nos Estados Unidos, me chamaram a atenção para o uso inadequado da tecnologia por muitas pessoas. É o caso do médico norte-americano que está respondendo a um processo judicial por dirigir em alta velocidade e, que estava operando um paciente ao mesmo tempo em que estava participando de uma audiência por vídeo-chamada! Surreal demais, embora seja a mais pura e triste verdade.

Este comportamento demonstra o quanto a tecnologia está tão inserida no cotidiano das pessoas, a tal ponto do médico não perceber que estava sendo leviano, imprudente, desrespeitoso e antiprofissional ao se conectar com seu celular e não focar no seu trabalho naquele momento importante para a vida do próprio paciente. Apesar dele estar acompanhado de um colega de trabalho no centro cirúrgico, o juiz ficou tão indignado com a situação que resolveu alterar a data do julgamento para outro dia em que o réu estivesse totalmente disponível para participar da audiência virtual.

No Brasil, dois advogados foram chamados a atenção por juízes e outros profissionais que presidiam a audiência virtual, pelo fato de um deles estar dirigindo enquanto participava da audiência e o outro, por estar deitado na rede enquanto fazia sua sustentação oral (tese de defesa). Ambos totalmente acostumados com o uso constante da tecnologia nos afazeres do dia a dia, que não se ativeram ao modo como deveriam se apresentar diante do novo contexto de trabalho que impera na pandemia.

Deste modo, a tecnologia que veio para facilitar a vida das pessoas, trazendo maior praticidade, comodidade e conforto, é a mesma que distrai, cria dependência, distancia pessoas que convivem entre si no mundo real e aproxima aqueles que vivem no mundo virtual. É um total paradoxo em que a sociedade atual vive e cada vez mais sucumbe aos malefícios e transtornos trazidos pelo manuseio excessivo e inadequado dos aparatos tecnológicos e suas plataformas digitais.


Fonte: https://migalhas.uol.com.br/quentes/340953/nos-eua-medico-entra-em-audiencia-enquanto-operava-paciente

Foto: Reprodução/Pinterest

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