Felipe Neto x Carlos Bolsonaro

 


Ao acompanhar as últimas notícias sobre o empresário e influenciador digital, Felipe Neto, me deparei com a seguinte cena: o famoso youtuber, conhecido por ter um dos maiores canais de compartilhamento de vídeos do país, foi acusado recentemente, pelo vereador Carlos Bolsonaro, de ter praticado crime contra a honra do atual Presidente da República ao descrevê-lo como “genocida” no Twitter. O caso está tendo grande repercussão na mídia, principalmente pelo fato da conduta ter sido enquadrada na Lei de Segurança Nacional.

Com base nas reportagens e no depoimento dado pelo próprio Felipe Neto na terça-feira (16/03), o meu primeiro questionamento foi com relação à ação ter sido tipificada na Lei N° 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional), ao invés no Decreto-lei N° 2.848/1940 (Código Penal Brasileiro). Pois ambas as leis tipificam o crime de calúnia (nos artigos 26 e 138, respectivamente), embora, a diferença entre elas seja referente ao tipo de vítima em que o crime é direcionado.

Enquanto o Código Penal defende a honra de pessoas comuns, a Lei N° 7.170/83 assegura proteção da honra e da reputação de figuras públicas de destaque, que exercem cargos importantes no país, tais como Presidente da República, membros do Senado Federal, da Câmera dos Deputados e Ministros do Supremo Tribunal Federal.

No entanto, vale relembrar que a Lei de Segurança Nacional foi criada durante a ditadura militar, justamente para instaurar o medo e a opressão naqueles que expressassem opiniões divergentes e críticas ao regime. Deste modo, a lei coibiu a livre manifestação de pensamentos, ideias revolucionárias e militância de opositores ao governo da época, uma vez que seriam tachados como subversivos, vândalos e traidores da pátria. E as diversas punições aplicadas aos “desertores” eram o exílio, a prisão, a tortura e até mesmo a morte.

Em razão do Código Penal Brasileiro já prever o crime de calúnia, qual a necessidade das autoridades de evocar a Lei de Segurança Nacional para tal situação? Seria cabível sua aplicação no contexto da sociedade atual, já que o histórico da lei é opressor e autoritário? No que diz respeito à aplicação do artigo 26, da Lei N° 1.170/83, concordo com o posicionamento do jornalista Reinaldo Azevedo ao afirmar que o dispositivo deveria perder validade por ser antiquado, drástico e totalmente autoritário.

Além do mais, o influenciador digital não foi a primeira pessoa (e acredito que também não será a última) a ter chamado o Presidente Jair Bolsonaro de genocida. Portanto, partindo deste pressuposto, me fiz a segunda pergunta: - “Todos os cidadãos deste país que chamarem Bolsonaro de genocida serão acusados de terem praticado crime contra a segurança nacional”? O sistema penal irá colapsar com tantos agentes em potencial.

Não há como negar que determinadas plataformas digitais, como o Twitter e o Facebook, são diariamente manipuladas para incitar o ódio, a intolerância e a falta de respeito para com a opinião alheia, ainda mais quando se trata de escolhas políticas. Contudo, intimidar a população com a aplicação de uma lei tão severa é o mesmo que condenar os cidadãos ao silêncio, pavor e conformismo com um governo que tem se mostrado incoerente, desumano e desorganizado em vários aspectos. Permitir que o youtuber seja acusado com base na Lei de Segurança Nacional é abrir um precedente muito grande para que a história do passado se repita e o povo perca o seu poder de fala.

Outra questão a ser questionada seria sobre a acusação em si, uma vez que o caso se encaixa melhor na tipificação do artigo 140, c/c com art. 141, I e III, do CP, do que pelo viés do art. 138 do mesmo. Pois chamar alguém de genocida, tecnicamente, não é considerado calúnia por não estar sendo imputado falsamente à vítima, fato tido como crime. No caso concreto trata-se de injúria por ferir a honra subjetiva do Presidente da República, que teve a sua dignidade ofendida por meio eletrônico.

Entre tantos acontecimentos escandalosos envolvendo o Presidente Jair Bolsonaro, o simples ato de chamá-lo de genocida não deveria ser considerado crime, no sentido de que os fatos falam por si. O comportamento e a postura do Presidente em público nos meses subsequentes ao início da pandemia evidenciaram (e evidenciam até hoje), a falta de empatia, compaixão e solidariedade para com as inúmeras famílias que perderam seus entes queridos. Afinal de contas, trata-se do número alarmante de quase trezentas mil mortes no Brasil.

Todavia, para os indignados, desgostosos e críticos fervorosos do Governo Bolsonaro, que não aguentam ficar com a boca fechada ou não ficam sem postar mensagens nas redes sociais, vale a pena seguir a dica preciosa do Reinaldo Azevedo ao aconselhar dizer que determinadas pessoas aplicam políticas genocidas. Nas palavras do próprio jornalista, “a pessoa não é genocida, mas a política dela pode ser. Entende? A política não vai poder reclamar: - “Vou te processar, eu me senti difamada””.

A de convir que agindo desta maneira, muitas pessoas evitarão problemas futuros com a Justiça e autoridades públicas que se sentem ofendidas com vários insultos e ofensas (de fato, elas existem) e, com verdades ditas pela população, cansada de ser enganada, mal compreendida e injustiçada por seus dirigentes. A questão é que muitos não têm coragem de dizer aquilo que efetivamente pensam por medo de sofrer retaliações e perseguição por questões ideológicas. Contudo, que cada um aja sabendo das prováveis consequências morais, éticas e jurídicas de seus atos. 

Faço ressalvas para a necessidade do constante diálogo, respeito e transparência entre pessoas, instituições e autoridades públicas, pois cada setor da sociedade tem o direito de se posicionar, embora, com ponderação, razoabilidade e bom senso. Em síntese, o Felipe Neto foi cobaia da  prepotência e má-fé do sistema político que busca fragmentar poder, silenciar o povo e instalar o caos  por meio desta bipolaridade em que a sociedade vive de forma tão radical e intensa.

Foto: Reprodução/CLEANPNG

Comentários

Postagens mais visitadas