O véu da repressão
Na
terça-feira (13/09), Mahsa Amini, 22 anos, natural do Curdistão - localizado no
noroeste do Irã, estava com a família visitando a capital do seu país quando foi
presa pela “polícia da moralidade” por não estar usando corretamente o véu. Objeto
obrigatório não só para as mulheres mulçumanas, mas para qualquer mulher que
esteja visitando o Irã. No caso de Amini, ela teria deixado alguns fios de
cabelos à mostra sob o hijab, conjunto de vestimentas
preconizado pela doutrina islâmica, também conhecido como "o
véu que separa o homem de Deus".
Alguns
dias após ter sido detida, Amini foi hospitaliza em Teerã, onde ela ficou três
dias em coma, vindo a óbito na sexta-feira (16/09). Há indagações por parte da
família e da ONG Anistia Internacional contra a ação da polícia, afirmando que
a prisão foi feita de maneira totalmente arbitrária e que a jovem sofreu tortura
durante a detenção. Algumas testemunhas dizem que ela foi agredida numa
viatura.
Em
sua defesa, as autoridades policiais negaram as acusações dizendo que em nenhum
momento lesionaram a integridade física de Amini. Utilizaram como prova um
vídeo de
vigilância transmitido pela televisão oficial, em que uma mulher, supostamente
Mahsa Amini, teria desmaiado enquanto conversa com uma policial na delegacia. Deste
modo, demonstraram que a moça já estaria com algum tipo de problema cardíaco
pré-existente que ocasionou a morte. Em contrapartida, o pai dela anunciou
publicamente de que a filha não tinha quaisquer problemas de saúde e que estava
bem no dia em que foi levada pela polícia.
A
morte de Amini (e de mais cinco pessoas) chocou o Irã e diversos outros países
que não aguentam mais a hostilidade com que as mulheres são frequentemente tratadas
pelas autoridades policiais com relação à rigorosidade das vestimentas em
público, em especial, o véu islâmico. As reivindicações não perpassam pelo uso
em si, mas pela sua obrigatoriedade.
As
redes sociais, tais quais, Instagram, Tik Tok e Twitter bombaram nos últimos
dias com protestos de irarianos e cidadãos de diversas partes do mundo para
criticar a polícia e exigir providências contra ato tão perverso, violento e desumano.
No Twitter, a hashtag persa #Mahsa_Amini ficou em primeiro lugar no domingo
(18/09), com quase 1,5 milhão de tuítes.
Há
uma crescente manifestação social em que mulheres iranianas estão cortando e/ou raspando a
cabeça e se vestindo como homens como meio de protesto contra as rígidas regras
de vestimenta do Irã e a atuação da “polícia da moralidade”, órgão criado logo
após a Revolução de 1979 e que até hoje, atua com a função de determinar o que as
mulheres podem ou não vestir. Em razão da morte de Amini, que se tornou o
estopim de toda a repressão que as iranianas vivem, várias mulheres estão
queimando o hijab em via pública.
É
lamentável pensar que, em pleno século XXI, ainda há mulheres que sofrem radicalmente
com o patriarcado que dita até mesmo o que elas devem vestir e se comportar em
sociedade sob pena de morte. Diante uma situação tão revoltante como esta e
tantas outras que acontecem em países do oriente médio, se faz necessário
refletir como nós, mulheres ocidentais, estamos lidando não só com as
desigualdades e preconceitos, mas também com a liberdade da qual dispomos para,
inclusive, lutar pela igualdade de gênero.
Há
mulheres que não gozam nem da liberdade de expressão para lutar pelos próprios
direitos. Elas são consideradas invisíveis socialmente e não tem voz ativa ou qualquer
participação política, diferentemente de muitas mulheres ocidentais que já
ocupam cargos de poder na vida privada e pública. Enquanto muitas de nós estão usando
shortinhos e minissaias, desfilando nuas ou seminuas pelas ruas e usufruindo plenamente
da liberdade para se expressarem da maneira como quiser, outras mulheres estão
de fato morrendo só por mostrarem o rosto e o cabelo.
É
uma realidade díspare e chocante que evidencia o quanto não valorizamos as
nossas conquistas por pequenas e demoradas que algumas delas tenham sido. No entanto,
possuímos o livre arbítrio para tomar decisões e gozamos de direitos e
garantias fundamentais asseguradas pelo próprio estado. Devemos agradecer por
sermos de fato livres para pensar, agir, se comunicar, votar, vestir e trabalhar
aonde quiser e como quisermos (claro, desde que respeitando as normas
jurídicas, morais e o bom senso).
Enquanto
a nossa pauta é bastante diversificada na luta pela igualdade de gênero como igualdade
salarial, licença maternidade, maior ocupação de cargos de chefia, etc, a pauta de
muitas mulheres que vivem em países do oriente médio ainda é pela luta de algo
tão fundamental quanto a liberdade de expressão, no que diz respeito ao modo de
se vestir e se apresentar em sociedade. Algo já tão natural e comum para muitas
de nós.
Em
países como o Afeganistão, Catar, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Síria,
Kuwait, Líbano, Paquistão, dentre outros, em que a mulher ainda continua sendo
totalmente submissa ao homem - não podendo andar sozinha nas ruas ou viajar
para o exterior sem um acompanhante, proibida de dirigir veículos, conseguir
emprego, abrir conta bancária, etc - urge a reformulação de leis e pensamentos
retrógados que mantêm a mulher num contexto social de opressão, intolerância e violência.
As
forças de segurança estão tentando conter as manifestações que estão ocorrendo
em várias cidades do Irã, inclusive, cortando o acesso à internet para que os movimentos
não sejam divulgados e nem vistos no mundo inteiro. Contudo, os manifestantes continuam
firmes nos protestos e exigem mudanças culturais e sociais o quanto antes.
Que
as mulheres iranianas, assim como tantas outras, possam exercer a cidadania com
dignidade, liberdade e diversos direitos efetivamente assegurados em lei por
serem indivíduos que também merecem respeito, voz ativa e concreta participação na sociedade. Descanse em
paz, Mahsa Amini, seu nome já se tornou um símbolo de luta e resistência.
Fotos: Reprodução
https://istoe.com.br/jovem-de-22-anos-morre-no-ira-por-uso-incorreto-de-veu/
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