A crônica da lacração


    
    Recentemente, o colunista da UOL, Julián Miguel Barbero Fuks, escreveu uma crônica em que critica a vinda do coração de Dom Pedro I ao Brasil, em razão da comemoração do dia da independência do país, que completará 200 anos. No entanto, o que mais chamou a atenção de algumas pessoas foi o título do texto que diz “Precisa-se de terrorista, capaz de um ato sutil que transforme a história”. 
     Após a publicação do texto, alguns parlamentares como o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, dentre outros, emitiram opiniões a respeito do fato em suas redes sociais, alegando que o colunista estaria incitando atos violentos contra a democracia e ao próprio evento no dia 7 de setembro. 
    O escritor e também crítico literário, Julián Fuks, afirmou que recebeu ameaças de morte e mensagens xenofóbicas de eleitores bolsonaristas em suas redes sociais e em sua defesa, justificou o porquê do uso de determinada palavra no título: "Usei a palavra “terrorista” em sentido figurado, literariamente evocando uma ação poética contra essa cerimônia, e afirmando desde a primeira linha que a proposta era contrária a toda violência, truculência, brutalidade, grosseria”. 
    De antemão, sinto dizer que o colunista foi muito infeliz ao escolher esta palavra que tem um significado tão negativo e depreciativo. E aqueles que trabalham com a escrita deveriam ter mais consciência, cuidado e capacidade seletiva das palavras que usam em suas obras literárias e textos, pois cada palavra possui um significado e terá um impacto diferente a depender da maneira como for dita e no contexto em que for utilizada. 
    Como profissional da comunicação, posso afirmar que cada palavra utilizada num texto tem uma razão de existir, ou seja, não está ali à toa. Nós, jornalistas, temos que ser sucintos e objetivos na hora de escrever até pelo espaço e tempo que é disponibilizado pelas empresas para que possamos falar sobre determinado assunto. Por tal motivo, temos que ser bem seletivos com as palavras. 
    A questão é que o colunista quis afrontar a decisão do atual governo com a vinda do coração de Dom Pedro I para o Brasil, manifestando o direito de liberdade de expressão assegurado pela Constituição Federal, mas o tiro saiu pela culatra. Afinal de contas, como o Brasil precisaria de um terrorista para transformar a história do país? Em qual sentido ou figura de linguagem, este pedido teria alguma lógica? 
     Em um trecho do texto Julián afirma que o país precisa de um terrorista com estas características: “Não desses violentos, nunca desses intolerantes e truculentos, jamais desses sanguinários e grosseiros. Precisa-se de um terrorista com máxima aversão ao sangue e à dor alheia, crítico ferrenho da impiedade e da indiferença. Precisa-se de um terrorista incapaz de covardia, contrário a toda crueldade, alérgico às armas e aos dedos em riste que insistem em tomar conta do país. Precisa-se de um terrorista ocioso e sonhador, um desses seres poéticos que se veem tão pouco à vontade em nosso tempo. Precisa-se de um terrorista inadaptado às urgências opressivas do trabalho, mas disposto a trabalhar no feriado de 7 de setembro”. 
    Na minha humilde concepção, terrorista é aquele que pratica atos de violência contra vítimas inocentes com o objetivo de promover alguma causa ou percepção de mundo, em sua totalidade, fanática e distorcida da realidade. Portanto, meu caro Julián Fuks, terrorista é terrorista (sanguinário, violento e intolerante), seja aqui ou em qualquer outra parte do planeta Terra. O governo dos Estados Unidos e de diversos países da Europa, assim como as famílias de centenas de milhares de vítimas, podem lhe assegurar isso. 
     Acredito que o escritor deve viver no mundo de Nárnia ou no Metaverso, em que um terrorista pode ser alérgico às armas e aos dedos em riste que insistem em disseminar o medo, a violência e o pavor por onde passa. Um terrorista com aversão ao sangue e à dor alheia, embora seja o verdadeiro responsável pelo derramamento de sangue e dor daqueles que morreram e dos que ficaram sem a presença de familiares e entes cruelmente assassinados. Julián Fuks também afirma da necessidade de um terrorista sonhador, contudo, este tipo de indivíduo sonha apenas e tão somente com a destruição e o caos. 
    Não concordo com as ameaças e muito menos com as mensagens preconceituosas e xenófobas, mas quem fala/escreve o que quer, ouve o que não quer. O colunista tem que estar preparado com as possíveis repercussões de seu trabalho, com base no conteúdo exposto e também saber lidar com as críticas, claro, desde que respeitosas e cordiais. Entretanto, ele se arriscou ao utilizar o termo “terrorista”, pois não deixa de ser uma provocação indireta ao atual governo. Agora, está colhendo os frutos desta ação. 
     Em tempos de pré-eleição, em que os ânimos estão alterados, por que não buscar um equilíbrio? Há formas melhores de expressar a insatisfação pelo atual governo. Ora, dizer que o país precisa de um terrorista, inclusive, para trabalhar no feriado de 7 de Setembro é complexo, para não dizer contraditório e infame. Ao invés de um terrorista, por que não pedir por um líder, guia espiritual, pessoa humanitária, guru, mestre ou cidadão de bem? Não seria melhor e mais adequado para o que colunista estava tentado comunicar aos leitores? 
    Se a repulsa dele contra Dom Pedro I é tão grande assim, por que não aproveita a celebração da independência do Brasil e conversa com o coração do próprio? Desta maneira ele descarrega tudo o quem tem a dizer diretamente ao coração daquele que um dia declarou a independência do nosso país, quer alguns gostem ou não. 


 Foto: Reprodução/Correio Braziliense

Fontes: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/08/31/interna_politica,1390406/colunista-do-uol-e-ameacado-de-morte-por-bolsonaristas-apos-cronica.shtml?
utm_source=hardnews&utm_medium=hardnews&utm_campaign=score&utm_term=undefined

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2022/09/escritor-julian-fuks-sofre-ameaca-de-morte-apos-bolsonaristas-distorcerem-cronica-cl7j079mz00lz01bhsbtus6dw.html

https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julian-fuks/2022/08/27/precisa-se-de-terrorista-capaz-de-um-ato-sutil-que-transforme-a-historia.htm

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