Uma Talagada Letal


 

Quando pensamos que já nos deparamos com o que há de pior no ser humano e que nada mais irá abalar as nossas estruturas emocionais, eis que surge um novo acontecimento bombástico que desestabiliza a sociedade novamente. Desta vez, se trata da falsificação de bebidas alcoólicas, não só no Brasil, mas em vários outros países do mundo, tais como: a Rússia, o Laos, a Turquia e o Kuwait. Centenas de pessoas foram intoxicadas por ingerir bebidas adulteradas com o uso de metanol, uma substância altamente tóxica e proibida para consumo humano.

Para quem nunca ouviu falar, o metanol é um produto químico encontrado em combustível, solventes e em produtos de limpeza que quando ingerido e processado pelo fígado, se transforma em formaldeído (o formol utilizado para embalsamar cadáveres). As consequências podem ser graves, pouco importa se for consumido em grande ou pequena quantidade, podendo causar sintomas parecidos com os de uma ressaca, desde dor de cabeça, náuseas, vômito a confusão mental. Contudo, há efeitos colaterais gravíssimos como cegueira, e até letais como o coma e a morte.

No caso de bebidas fermentadas como a cerveja e o vinho, o metanol também pode ser encontrado, só que em níveis baixos e regulamentados devido à fermentação das cascas das frutas ricas em pectina. Processo natural que difere da contaminação que ocorre durante a produção da bebida por falha no processo de destilação ou por dolo mesmo. Deste modo, o consumo de cerveja e vinho, fabricados de modo regular, não causam riscos à saúde, segundo Thiago Correra, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).

No estado de São Paulo foram notificados pela Polícia Civil vinte e dois casos de suspeita de contaminação e seis óbitos até o presente momento (sendo apenas uma morte oficialmente confirmada por ingestão de bebida adulterada). Muitas pessoas relataram perda temporária da visão, mas há o risco de cegueira permanente pelo fato de o metanol atacar o nervo óptico, além de poder afetar seriamente o cérebro, o fígado, os pulmões e os rins. Em alguns casos, as sequelas são irreversíveis.

As autoridades locais estão investigando se se trata de uma possível contaminação no processo de produção de destilados (gim, vodka, cachaça e uísque) ou se há o envolvimento de organizações criminosas que estejam falsificando bebidas. De acordo com o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, e o secretário de segurança do estado, Guilherme Derrite, é mais provável que se trate de civis comuns que estejam falsificando e contrabandeando bebidas por meio da burla de regras sanitárias e fiscais. Já o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, discorda e acredita que a hipótese ainda é alvo de investigação.

É impressionante que as pessoas não possam nem mais disfrutar do happy hour com sossego. Agora temos que ficar atentos com o consumo de bebidas, inclusive em bares, restaurantes e supermercados que habitualmente frequentamos. Não sei quanto a você, caro leitor(a), mas fica difícil relaxar com a possibilidade remota de ingerir um produto falsificado que pode levar à óbito. Por enquanto, é melhor (e mais seguro) pedir uma água com gás, um suco ou um refrigerante para não ter dor de cabeça ou algo pior!

O grande problema é que não há como identificar a diferença entre o metanol e o etanol, uma vez que ambos são incolores e os cheiros também são similares. De todo modo, vale a pena tomar algumas precauções: 1) Desconfie de preços muitos abaixo do mercado, 2) Verifique o lacre, se estiver violado, não consuma. 3) Rótulos mal colocados pode ser sinal de falsificação. 4) No caso de destilados, procure pelo selo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se não estiver na embalagem, provavelmente não passou por fiscalização.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o mercado ilegal de bebidas movimentou quase 57 bilhões no Brasil. A sonegação fiscal no setor foi de mais de 28 bilhões em 2023. O Anuário da Falsificação, feito pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABDF) afirmou que a produção ilegal de cerveja artesanal mais do que dobrou entre 2016 e 2022. Este aumento vertiginoso implica dizer que está havendo menos fiscalizações que controlem com mais rigor e eficácia a qualidade dos produtos e os meios de produção minimamente exigidos em lei que assegurem maior segurança aos consumidores.

É lamentável que o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sincobe) – sistema que rastreava em tempo real a produção de bebidas alcoólicas – tenha sido desligado em 2016. A justificativa? Muito custo para ser mantido. A ABDF entende este fato como um dos fatores que impulsionou o envolvimento do crime organizado no setor de bebidas, uma vez que, sem ele, o monitoramento ficou mais fragmentado e falho. E o preço a se pagar é alto demais por envolver a vida de pessoas inocentes.

Mais uma vez a ineficiência do sistema e das autoridades responsáveis pela fiscalização da saúde sanitária compromete a vida dos pagadores de impostos que não podem nem mais se divertir tomando uma, pois não é mais seguro beber bebida alcoólica no país (pelo visto, em lugar nenhum). Afinal, tornou-se atividade de risco.

 

Foto: Pinterest

Fontes: Número de fábricas de bebidas falsificadas saltou de 12 para 80 em quatro anos, aponta levantamento

Metanol no vinho e na cerveja: essas bebidas podem ser contaminadas? Entenda

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cwyw2kwlpj2o.amp

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cge2pjp1j3eo

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20vq00zjeeo


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