A Criminalidade e a Sede de Vingança


 

A brutal morte do ex-delegado geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, evidencia algo que está escancarado há muito tempo na cara da sociedade pós-moderna: o crime organizado é quem comanda o Brasil. Seus integrantes estão por toda parte, se alastrando para novas regiões do país e envolvendo-se com as mais diversas instituições e empresas, inclusive, governamentais.

Quem não se lembra da visitação da mulher de um chefe do Comando Vermelho no Amazonas, Luciane Barbosa Farias, ao Ministério da Justiça em 2023? Na época, o Secretário Nacional de Assuntos Legislativos, Elias Vaz, disse que a Dama do Tráfico (como ficou conhecida) estava acompanhando a ex-deputada Janira Rocha (PSOL) numa delegação de mulheres que objetivou criticar as irregularidades do sistema penitenciário brasileiro.

Os assessores do Ministro da Justiça, ainda na figura de Flávio Dino, afirmaram que a conduta de Vaz foi equivocada, pois deveria ter checado a lista dos participantes dessa delegação antes de liberar sua entrada. No entanto, Luciane fizera duas visitações ao Ministério da Justiça em 2023. Se equivocar uma vez é até justificável, mas duas vezes? Aliás, o que o crime organizado tem tanto para conversar com o Governo, tendo o livre acesso à infraestrutura e às autoridades públicas do setor?

No mínimo, um fato bastante intrigante e que ficou por isso mesmo (sem uma justificativa plausível a dar aos cidadãos brasileiros). Porém, como a maioria dos brasileiros tem memória curta, vale a pena lembrar desse acontecimento inusitado e curioso para refrescá-la.

Embora ainda não haja confirmação do envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) no crime, há fortes indícios de que a morte do ex-delegado seja uma vingança ao trabalho exercido por Ruy Ferraz durante anos na polícia, especialmente no início dos anos 2000. Ele ajudou a mapear o organograma da facção, identificando sua estrutura hierárquica; além de identificar as funções de cada integrante e como a droga era distribuída no país. Uma de suas ações mais ousadas foi transferir alguns líderes perigosos para presídios federais, onde tecnicamente a fiscalização é mais robusta e rígida.

Não esqueçamos que dois presos pertencentes ao Comando Vermelho (CV) fugiram da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, em 2024. Ressalta-se: a primeira fuga registrada na história do sistema penitenciário federal. Coincidentemente, as câmeras de segurança e os refletores externos próximos ao local da fuga estavam desligados. Que coincidência infeliz, não é mesmo? Acredito que só no Brasil para isso acontecer.

O fato é o seguinte: o modo como o assassinato ocorreu evidencia todo um planejamento estratégico e calculista por parte do crime organizado, não só monitorando como também ameaçando a vida daqueles que possuem coragem efetiva para combater a bandidagem e o tráfico de drogas. Ao ter o seu veículo abatido por um ônibus, após uma perseguição de carro, Ruy recebeu vinte e um tiros de metralhadora em seis segundos. Para além da violência que espanta, a espetacularização ganha as ruas e os noticiários num país controlado pela barbárie.

O que dizer sobre isso? A verdade é que os criminosos não se escondem mais, atuam em qualquer hora do dia e fazem questão de mostrar sua força e poder armamentista. Outra problemática que o país enfrenta há décadas: em razão da falta de maiores recursos e acesso à armas de fogo de alto calibre e tecnologia de ponta, os policiais em exercício estão mais expostos e fragilizados em campo. Afinal, o crime organizado está muito mais bem-equipado do que a própria polícia, o que a deixa em desvantagem em qualquer situação. Isso sem mencionar outros fatores que limitam o poder de atuação da classe.

Infelizmente, a voz de Ruy Ferraz foi silenciada por ter sido um dos maiores especialistas nas ações do PCC e um pioneiro no combate ao grupo. Indiciou os principais líderes dessa organização criminosa, colocando-os em presídios de segurança máxima (algo que não era feito até então). Seus feitos lhe proporcionaram ganhar a medalha Tiradentes, da Câmara Municipal de São Paulo.

Que este caso não desmotive outros profissionais e autoridades de defender a paz, a ordem pública e a liberdade do povo brasileiro que se encontra ameaçada diariamente pela violência do crime organizado. A competência e a eficiência do trabalho realizado por Ruy mostraram que é possível amenizar os efeitos danosos da criminalidade, mas a Justiça também tem que fazer a parte dela.

 

Foto: Pinterest

Fontes: Ruy Ferraz Fontes: morte de ex-delegado pioneiro no combate ao PCC pressiona Tarcísio em meio a 'nova fase' do crime organizado em SP - BBC News Brasil

Ex-delegado executado: polícia pede prisão de mulher durante depoimento | CNN Brasil

Presos que fugiram de penitenciária federal tiraram barras de ferro da parede para usar como ferramenta; veja fotos | Blog da Julia Duailibi | G1

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