C*nsur@
Recentemente, o comediante
Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão, em regime fechado,
pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, por um vídeo de um show realizado
em 2022 e que foi posteriormente publicado em suas redes sociais. Segundo as
acusações do Ministério Público Federal (MPF), o humorista proferiu diversas
declarações racistas e preconceituosas contra negros, indígenas, judeus,
nordestinos, evangélicos, pessoas obesas, dentre outros.
Confesso que não
assisti ao vídeo e até bem pouco tempo, nem sabia quem era esse tal de Léo Lins.
Porém, condenar um artista por contar piadas em cima de um palco – local em que
se contextualiza o ofício de todo e qualquer humorista – considerei desproporcional
e desarrazoável demais. Principalmente por três fatos: 1) É livre a
manifestação do pensamento. 2) É livre o exercício de qualquer profissão. 3) A
sanção dada ao réu se equivale às sanções aplicadas a crimes como tráfico de
drogas, corrupção e homicídio.
Ora, a piada é uma
narrativa curta utilizada para provocar risos e descontração no público, cujo
humor é escrachado e sarcástico por natureza. A piada é uma forma de arte que
se utiliza da linguagem coloquial (e até chula) para divertir e entreter as
pessoas, também podendo ser um manifesto sociocultural e político para debater
diversos temas, desde os mais banais aos mais complexos. Não estou dizendo com
isso que o humorista tem licença poética para cometer crimes, porém, que haja
razoabilidade e proporcionalidade na aplicação da lei.
No caso em questão, é
visível a desproporção na pena aplicada pelo juízo de primeira instância, além
da sentença configurar verdadeira violação ao art. 5º, IX e XIII, da Constituição
Federal que assegura os direitos e garantias individuais do cidadão. No que diz
respeito a esses direitos individuais e coletivos, é livre tanto a manifestação
da atividade intelectual quanto o exercício de qualquer trabalho, ofício e
profissão (artística, científica e de comunicação), independentemente de
censura ou licença.
Ademais, a liberdade
de expressão também é assegurada pela nossa Carta Magna, em seu art. 5º, IV.
Ora, supostamente vivemos numa democracia em que cada um diz o que quer,
entretanto, sabendo que haverá consequências jurídicas pelos atos cometidos
tanto no mundo real quanto no virtual. Não há como negar que a internet abriu
espaço para muitas pessoas falarem barbaridades, coisas sem noção ou sem nenhum
compromisso com a verdade, mas já existem leis que tipificam crimes
cibernéticos no Brasil. E elas devem sim, ser aplicadas quando houver violação
concreta às leis.
O Ordenamento
Jurídico Brasileiro também já tipifica os crimes de calúnia, difamação, injúria
para condenar ações que ferem a honra e a imagem de uma pessoa. Em regra, a
duração das penas aplicadas a crimes contra a honra é pequena, variando de
meses até dois anos de detenção e multa. No caso de injúria racial – que
“consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião,
origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência” – tipificada
no artigo 140 § 3º, do Código Penal, a pena pode ser aumentada, chegando a três
anos de reclusão e multa.
Repito, não assisti ao
vídeo da apresentação do humorista para concordar ou discordar com as alegações
feitas pelo MPF. Contudo, afirmo que esse processo abriu um perigoso precedente
que poderá afetar o ofício de toda a classe artística. Afinal, cantores,
poetas, humoristas, escritores, produtores, atores etc. passarão a podar seus
trabalhos com receio de serem taxados de racistas ou qualquer outra coisa
parecida. E isso me leva a crer que a liberdade de expressão está sendo seriamente
comprometida, inclusive, já algum tempo.
Aliás, desde quando
um comediante contar piada é crime? Por mais que haja piadas de mau gosto e que
desagrade algumas pessoas, o humor ácido faz parte do contexto. Vai ao show
quem quer e assiste quem quer. Então, eu me pergunto o porquê de uma sanção tão
severa para alguém que está apenas trabalhando e tentando ganhar a vida de
forma justa e honesta? Como comparar o ofício de um artista a crimes cometidos
por traficantes e assassinos? Qual o verdadeiro intuito por detrás de uma
sentença como essa? O que a Justiça Brasileira está tentando fazer?
Infelizmente, estamos
vivendo num mundo em que um comediante foi condenado por contar piadas,
enquanto o rapper Oruam – filho de um dos maiores traficantes do Brasil e que
defende a bandidagem e o tráfico de drogas – foi convidado a ser capa da Revista
Britânica Dazed e vestido pela marca de luxo brasileira, Osklen. E mais,
vivemos num país em que vários corruptos foram soltos da cadeia e criminosos
são liberados em audiência de custódia para responder em liberdade. Além de continuarem
cometendo crimes, ainda recebem tratamento mais humanizado do que as próprias
vítimas. É uma completa inversão de valores.
Até o presente
momento, apenas o apresentador Danilo Gentili se manifestou publicamente em
defesa de Léo Lins. Cadê o restante da classe artística para debater esse caso
alarmante nas redes sociais? Cadê os integrantes do Casseta & Planeta, dos
Trapalhões, das Portas dos Fundos e adjacências? Cadê Fábio Porchat, Tatá Werneck
e Ingrid Guimarães? Onde estão os fãs de Paulo Gustavo?
Afinal, o que
acontecerá com a personagem Hermínia de “Minha Mãe é uma Peça”, que adora
esculhambar a filha que sofre de obesidade e faz chacota do filho por ser
homossexual? O que vai acontecer com esse filme e tantos outros programas de
humor, serão censurados? Também irão criminalizar o legado de Paulo Gustavo? Ou
será que haverá dois pesos, duas medidas a depender dos “padrinhos políticos”
que cada um tiver?
O politicamente
correto tornou a vida insuportável a ponto das pessoas não saberem mais conviver
umas com as outras sem levarem tudo para o lado pessoal. Uma piada deixou de
ser apenas uma piada para se transformar num ato criminoso. Não há mais leveza,
receptividade ou maturidade para diferenciar contextos. Não defendo as pessoas
que agem com o intuito de ofender a reputação e a dignidade de alguém, mas sim,
defendo uma classe artística que tenta sobreviver por meio do trabalho digno.
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