Paredão de Alta Potência

 

Após uma conversa interessante com o empresário e ex-candidato a Vereador de Salvador, Gabriel Santana Sena Torres, mais conhecido como Gabriel RG Paredão, pela primeira vez, tive uma concepção diferente a respeito do “Paredão”: festa de rua em que um veículo, repleto de caixas de som, toca diversas músicas para uma multidão. Não se trata do Carnaval de Salvador, festa oficializada pelo Estado da Bahia há décadas e reconhecida no mundo todo, mas sim, de outra festa popular ainda sem normatização ou reconhecimento das autoridades públicas locais.

Para quem não é de Salvador (ou da Bahia de um modo geral), não estará tão familiarizado/a com esta festa que vem tomando proporções cada vez maiores. Contudo, para além de um mero festejo de rua, o Paredão se tornou uma verdadeira manifestação sociocultural das classes de baixa renda da capital baiana, que por não terem condições financeiras e nem acesso às festas de elite da cidade, buscaram outros meios para se divertir. Em outras palavras, é uma festa feita pelo povão para atender as necessidades e interesses das comunidades mais humildes e sem muita representatividade.

Inicialmente, as caixas de som eram instaladas no porta-malas dos carros, que ficavam parados próximos aos postos de gasolina, entretendo um pequeno grupo de pessoas. Estas caixas são empilhadas uma em cima da outra, literalmente formando uma “parede”. Entretanto, algumas pessoas começaram a empilhar tantas caixas a ponto de formar um paredão. Com o passar do tempo, esta prática foi se tornando bastante habitual e tomando as ruas de modo a criar uma competição entre vários Paredões.

Na atualidade, este movimento cultural tornou-se também um segmento comercial que busca ser regularizado. Afinal, o que antes era um hobby direcionado para um reduzido grupo de pessoas que ouvia músicas do porta-malas dos carros, hoje, por exemplo, se utiliza de caminhões com muitas caixas de som para receber uma banda tocar, que nem um trio elétrico. Em minha opinião, parece muito mais um Megazord dos Power Rangers, de tão grande! Só vendo para crer.


Brincadeiras a parte, vale ressaltar que o Paredão de som automotivo tem gerado faturamento para diversas famílias de baixa renda que vendem seus produtos durante as festas e arrecadam mais dinheiro do que normalmente costumam no dia a dia. É um comércio interno que visa beneficiar a própria comunidade, principalmente os ambulantes e pequenos comerciantes locais. Ademais, é uma festa que objetiva proporcionar lazer e entretenimento para aqueles que não podem usufruir da maior parte, ou de quase nada, dos eventos e shows direcionados paras as classes mais favorecidas.

Por que o Paredão não tem a mesma aceitação do que o Carnaval de Salvador? A resposta é bem simples e evidente: trata-se de uma festividade pertencente ao povão. Ela foi feita pela classe baixa para integrantes da comunidade, ou seja, por um nicho específico da população soteropolitana que é totalmente marginalizada da sociedade. Além disso, é uma festa associada ao envolvimento do tráfico e meio de propagação da violência urbana, razão pela qual é discriminada e vista com maus olhos por parte da classe média e alta.

Infelizmente, o uso indiscriminado dos aparelhos de som de alta potência, em horários não permitidos, especialmente durante a pandemia da Covid-19 e o incidente ocorrido em março do ano passado corroboram para acentuar ainda mais o estigma e a discriminação que o movimento já sofre há anos. É de conhecimento público que muitos não respeitaram a quarentena, se aglomerando em várias festas de rua ao invés de manterem o distanciamento social como foi exigido pelas autoridades na época. Além disso, dez pessoas foram baleadas durante uma festa de Paredão, realizada na Rua 24 de Março, no bairro Tancredo Neves, em Salvador (2023).

De acordo com testemunhas e vítimas, os traficantes adentraram atirando sem um alvo específico, ferindo crianças, jovens e adultos de até 50 anos de idade. Felizmente, ninguém veio a óbito, embora, alguns carros tenham sido danificados por conta dos disparos das balas, fazendo com que muitos moradores ficassem revoltados com a situação. Porém, o que a maior parte dos soteropolitanos não ficou sabendo é que os traficantes eram de uma comunidade rival e não pertenciam àquela comunidade específica.

Acontece que no Brasil, a sociedade, como um todo, faz a triste associação de que todas as pessoas que moram nas favelas, subúrbios ou invasões são criminosas. O que é um grande equívoco. Tem muita gente honesta e trabalhadora vivendo nestes lugares por falta de maiores oportunidades e que, inclusive, sofre com a atuação beligerante dos traficantes. É lamentável o fato de que todos acabam sendo postos num mesmo balaio. Afinal, traficante é um indivíduo de natureza desprezível que escolhe praticar atrocidades contra outras pessoas. A pessoa de baixa renda é um cidadão ou uma cidadã de bem que merece respeito e dignidade.

Muitos empresários que estão a frente deste negócio estão se movimentando para conquistar seu espaço na sociedade e obter a tão sonhada regularização do Paredão de som automotivo de alta potência na Bahia. Segundo o empresário, Gabriel Torres, o Paredão “gera empregos direta e indiretamente. Ali vão pais de família tirar seu ganha-pão, por exemplo, o baleiro, segurança, motorista de aplicativo, quem trabalha no bar, o eletricista, o produtor de eventos e diversos outros profissionais”. – trecho retirado de uma entrevista dada para a SSA Notícias, em 2020.

Primeiramente, terão que vencer o forte preconceito que há com relação ao segmento, mostrando que são pessoas honestas e trabalhadoras querendo apenas se divertir, assim como qualquer outro ser humano. Os empresários e administradores dos Paredões terão que continuar persistindo na atividade, dialogando com autoridades locais e apresentando projetos que tragam normatização, proteção jurídica e melhor sistemática de funcionamento com especificação de datas, horários e lugares para a realização destes eventos.

Se o próprio trio elétrico começou com um antigo caminhão – em que instrumentos musicais foram colocados na caçamba para que Dodô e Osmar pudessem tocá-los e, por meio do uso de um alto-falante, ampliar o som para que muitas pessoas pudessem ouvi-los – também é possível que novos segmentos como o Paredão cheguem e se consolidem no mercado. Tudo vai depender de muito esforço, dedicação e claro, rompimento de velhos paradigmas.

 

Foto: @gabrielrgparedao

Fontes: https://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-carnaval-no-brasil.htm

https://midianinja.org/colunistaninja/a-manifestacao-estetica-e-cultural-dos-paredoes-de-salvador-e-seu-desafio-a-cidade/

https://www.correio24horas.com.br/salvador/paredao-onde-10-foram-baleados-era-festa-de-aniversario-em-rua-ao-lado-de-delegacia-0323

https://www.bahianoticias.com.br/noticia/282972-adolescente-de-16-anos-e-morta-apos-festa-paredao-em-salvador

https://www.ibahia.com/salvador/salvador-dez-pessoas-sao-baleadas-em-festa-paredao-em-tancredo-neves

https://ssanoticias.com.br/entrevista-com-pre-candidato-gabriel-paredao/

https://muitainformacao.com.br/post/32547-festas-tipo--paredao--foram-registradas-em-salvador-no-fim-de-semana-

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/03/04/dez-baleados-festa-paredao-criancas-bahia-salvador.htm

 

 

 


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